Psicoterapeuta. - CRT 42.156

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Fernando Cesar Ferroni de Freitas

sábado, 29 de abril de 2017

A BALEIA AZUL, O SUICÍDIO E O ÁLCOOL ENTRE OS NOSSOS JOVENS

Há razões para que pais fiquem aflitos com o jogo da Baleia Azul, apesar de fake, e com a série “13 reasons why”, apesar de ficção. O suicídio cresce no mundo todo, principalmente entre os jovens na faixa etária de 15 a 29 anos. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio. São 800 mil pessoas, a cada ano, que tiram a própria vida no mundo. E para cada caso fatal há pelo menos outras 20 tentativas fracassadas.

A OMS reconhece o suicídio como uma prioridade de saúde pública. O primeiro relatório da organização sobre o assunto, “Prevenção do suicídio: um imperativo global”, publicado em 2014, incentiva os países a desenvolver ou reforçar estratégias de prevenção com abordagem multisetorial. Mas, segundo a organização, poucos países incluíram a prevenção ao suicídio entre suas prioridades de saúde e só 28 relatam possuir uma estratégia nacional para isso.

Um total de 1,3 milhão de pessoas de 15 a 29 anos morrem no mundo anualmente vítimas de causas evitáveis ou tratáveis, sendo a principal delas os acidentes de trânsito (11,6% do total). O suicídio fica em segundo lugar, responsável por 7,3% das mortes.

MORTES VIOLENTAS
A mortalidade é dividida em 2 grandes grupos: o das mortes naturais e o das violentas. Diferentemente das chamadas causas naturais, relacionadas à deterioração do organismo ou da saúde devido a doenças e/ou ao envelhecimento, as causas externas remetem a fatores independentes do organismo humano levando à morte do indivíduo.

As causas externas de mortalidade vêm crescendo de forma assustadora nas últimas décadas no Brasil: se, em 1980 representavam 6,7% do total de óbitos na faixa de 0 a 19 anos de idade, em 2013 a participação elevou-se de forma preocupante: atingiu o patamar de 29%. Tal é o peso das causas externas, que em 2013 foram responsáveis por 56,6%– acima da metade– do total de mortes na faixa de 1 a 19 anos de idade. No mesmo período, os acidentes de transporte passaram de 2% para 6,9% e os suicídios de 0,2% para 1,0%.

Na faixa dos 16 e 17 anos, segundo o Mapa da Violência 2015 – Adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil, o crescimento dos acidentes de transporte no período 1980/2013 foi de 38,3%. A taxa de suicídios subiu de 2,8 por 100 mil para 4,1 nessa faixa etária: um aumento inquietante de 45,5%.

AÇÃO DE COMBATE
O suicídio é uma das condições prioritárias do mhGAP (Mental Health Gap Action Programme), programa de saúde mental da OMS, que fornece aos países orientação técnica baseada em evidências para ampliar a prestação de serviços e cuidados para transtornos mentais e de uso de substâncias. No Plano de Ação de Saúde Mental 2013-2020, os Estados-Membros da OMS se comprometeram a trabalhar o objetivo global de reduzir as taxas de suicídios dos países em 10% até 2020.

São duas as intervenções baseadas em evidências para abordar o suicídio, segundo o documento: restrição do acesso a métodos comuns de suicídio e prevenção e tratamento da depressão e dependência de álcool e drogas. Seja isoladamente ou em uma combinação de fatores, cerca de 2 terços de todas as pessoas que cometem suicídio sofrem de depressão ou alcoolismo.

O ÁLCOOL É O MAIOR PROMOTOR DO AUMENTO DE SUICÍDIOS E ACIDENTES DE TRÂNSITO
Será mera coincidência que o número de mortes violentas entre nossos jovens esteja subindo de forma assustadora enquanto a ingestão de álcool também se alastra entre eles? O uso de bebidas alcoólicas por menores de idade está relacionado ao maior número de óbitos de jovens do que todas as drogas ilegais somadas.

Mais de 40% das vítimas fatais de acidentes de trânsito ocorridos na cidade de São Paulo entre junho de 2014 e dezembro de 2015 haviam consumido álcool nas horas que antecederam a morte. Se considerados apenas os dados de motoristas e passageiros dos veículos –e excluídos, portanto, os dos pedestres atingidos– o índice chega a quase 60%, revela pesquisa realizada com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Os dados foram publicados esta semana na revista Addiction.

De acordo com o NIAAA (Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo), nos Estados Unidos a prevalência de acidentes automobilísticos fatais associados ao álcool entre jovens dos 16 aos 20 anos é mais do que o dobro da prevalência encontrada entre os maiores de 21 anos. O alcoolismo, particularmente na presença da depressão e de perturbações da personalidade, também pode aumentar o risco de suicídio. Em 90% dos casos de morte de crianças e adolescentes por suicídio, foi identificado como causa algum tipo de perturbação mental, sendo os diagnósticos mais comuns as perturbações do humor, perturbações da ansiedade, abuso de substâncias e perturbações comportamentais do funcionamento social.

Estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) em um pronto-socorro de Embu das Artes, na Grande São Paulo, constatou a ingestão de álcool até seis horas antes em 21% dos 80 casos de tentativa de suicídio atendidos.

O estudo “Uso Adolescente de Substância e Comportamento Suicida: Uma Revisão com Implicações para Pesquisa em Tratamento” explora a relação entre o uso de substâncias e o comportamento suicida em adolescentes, demonstrando que o uso de substâncias aumenta o risco de comportamentos suicidas, sendo que os adolescentes suicidas apresentavam elevadas taxas de uso de álcool e drogas ilícitas.

Entre os adolescentes de 16 anos e mais velhos, o álcool e o abuso de substâncias aumentam significativamente o risco de suicídio em tempos de sofrimento, segundo a cartilha anual de recomendação para a prevenção do suicídio da OMS. O álcool aumenta a impulsividade e, com isso, o risco de suicídio, de acordo com o manual de prevenção do suicídio para profissionais das equipes de saúde mental do Ministério da Saúde.

O consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes compromete o sistema nervoso central (SNC), que ainda se encontra em desenvolvimento. Desta maneira, suas vias neuronais podem se tornar mais suscetíveis aos danos causados pelo álcool, podendo levar ao comprometimento de várias funções. Sob os efeitos do álcool, os jovens ficam mais propensos a comportamentos de risco –incluindo brigas, sexo desprotegido ou não consensual, acidentes automobilísticos e suicídio.

Dados da PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) de 2015 realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que, entre alunos de 13 a 15 anos, a experimentação de álcool subiu de 50,3% em 2012 para 55,5% em 2015. Além disso, 21,4% desses adolescentes relataram já terem sofrido algum episódio de embriaguez na vida. A pesquisa mostrou também que meninas dessa faixa etária estão bebendo mais que os meninos, sendo que a taxa de experimentação de álcool é maior entre elas (56,1% vs. 54,8%) e também o uso de álcool nos últimos 30 dias (25,1% vs. 22,5%).

Em 2016, o Erica (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes) avaliou 74.589 adolescentes de 1.247 escolas em 124 municípios brasileiros. Cerca de 20% dos adolescentes consumiram bebidas alcoólicas pelo menos uma vez nos últimos 30 dias e, desses, aproximadamente 2/3 o fizeram em uma ou duas ocasiões no período. Entre os adolescentes que consumiam bebidas alcoólicas, 24,1% beberam pela primeira vez antes de 12 anos de idade.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Aos 55 anos, paciente lembra a época ‘das amarras’ em manicômios

O Especial Transmídia dessa semana discute sobre a loucura, seus estigmas e as mudanças decorrentes da luta antimanicomial
08/04/2017


Domingas Maria tinha 26 anos quando percebeu que havia algo de errado com sua saúde. Após a morte do irmão, sintomas de uma forte depressão e mudanças repentinas de humor começaram a incomodar o decorrer da sua vida. Logo depois, ela receberia encaminhamento para tratamentos em clínicas psiquiátricas de Teresina. O período, no entanto, foi marcado não só pela possibilidade de tratamento, mas por momentos de “terror”, como descreve.

Domingas, hoje, tem 55 anos e elenca inúmeras vitórias conseguidas pelo tratamento feito ao longo da vida. Mas os bons resultados não apagam da memória o que teve de viver em décadas passadas. “Comecei meu tratamento no ano de 1988 e a minha sorte foi que eu sempre tive muito apoio da minha família, meu marido, minha mãe que já é falecida e, agora, meus filhos que são crescidos, todos me apoiam. Mas cheguei a passar mais de mês internada no Meduna, no Areolino de Abreu, onde a gente chegava a ficar amarrada, acorrentada, em tempo de crise”, descreve com olhar distante.

Fotos: Jailson Soares/ODIA



Domingas também relembra que, por conta do tratamento enclausurado, chegou a ser vítima de agressão de outros pacientes. “No Areolino, quando os outros estavam em crise, eles batiam na gente, roubavam nossas coisas, era um terror”, relata.

A inserção em um Centro de Atenção Psicossocial consolidou uma mudança definitiva na sua qualidade de vida. Desde 2011, a senhora frequenta as atividades e tratamentos ofertados através do Caps Sudeste, onde afirma elencar muitas vitórias.

Mesmo tendo o apoio da família, Domingas destaca o que enfrenta devido o preconceito do restante da sociedade. A senhora afirma que não são isoladas as vezes que foi tratada com indiferença pela sua condição de saúde. “Já ouvi muito, ao entrar no ônibus, as pessoas falando ‘já vem os doidos do Caps’. Nós somos seres humanos como qualquer outro, é difícil de ouvir isso”, afirma.

Mesmo com as barreiras a serem enfrentadas, Domingas se considera uma mulher de sorte. O tratamento contínuo foi decisivo para hoje ela se considerar a ‘sortuda’, que afirma ser.

A família vai aumentar em pouco tempo com a chegada de mais um neto. E, pelo que Domingas afirma, não só com as palavras, mas pela forma como vê a vida, ela nunca esteve tão preparada para acompanhar toda essa felicidade.

Hospitais sem leito

Ao passo que a Rede de Atenção Psicossocial do Estado do Piauí cresce na oferta de espaços que consolidam a humanização do tratamento de saúde mental, um outro empecilho continua a preocupar gestores e causar barreiras para os usuários: a falta de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.

O contexto acontece por inúmeros fatores, entre eles passeiam a hegemonia do modelo biomédico hospitalar, barreira à efetividade do trabalho em equipe multiprofissional, existência e manutenção de preconceito e estigma contra a pessoa com transtorno mental e falta de estrutura física dos hospitais gerais.



Em Teresina, o único hospital a ofertar leitos especializados para o acolhimento de pessoas com transtornos psiquiátricos não atende mais a demanda há cerca de cinco anos. “Qualquer hospital pode atender o cidadão para garantir seus direitos à saúde, só que temos lidado com a insegurança e, por vezes, o preconceito que acontece com a chegada desse usuário nos leitos gerais. Por isso, houve a política de implantar leitos de saúde mental em hospitais gerais e nós tivemos em Teresina, em 2011, um projeto piloto, que era para ser estendido para a rede, na unidade de saúde da Primavera, onde quatro leitos funcionaram até 2012, quando uma nova portaria do Ministério da Saúde estabeleceu que essa modalidade não poderia ser implantada em hospitais com menos de 50 leitos”, explica a técnica da Gerência de Saúde Municipal, Maria do Amparo.

Agora, a gestão está em processo de estabelecimento da definição de novos leitos em uma unidade que atenda às recomendações nacionais. O panorama também é destacado pela Gerência de Saúde Estadual. “Realmente, o leito em hospital geral é onde encontramos muitas barreiras e resistências. É preciso fazer entender que a pessoa com transtorno mental é uma pessoa que tem direito ao acesso à rede de maneira completa. Precisamos continuar avançando na descentralização da urgência e emergência, que é centralizada no Areolino de Abreu”, finaliza Gisele Martins.

Internação

Nos últimos 11 anos, o Piauí perdeu 46% dos leitos de internação psiquiátricos no âmbito da rede pública, saindo da oferta de 400 leitos, em 2005, para os atuais 217, em 2016. Os números foram divulgados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em um estudo que comprova que, em um contexto geral, o país perdeu quase 40% dos seus leitos de internação especializados para pacientes com transtornos mentais. No ranking, o Piauí ocupa a décima posição no número de perdas de leitos.

Fazem parte do cálculo tanto os leitos em hospitais psiquiátricos como aqueles em hospitais gerais. Redução essa que se baseia na Lei 10.216/01, a qual estabelece novos parâmetros para o segmento, privilegiando-se uma abordagem voltada para atenção ambulatorial e não somente a internação.

A decisão, no entanto, causa controvérsias. Na análise do CFM, a redução põe em risco a segurança do atendimento. A portaria 1.631, editada em 2015, define a necessidade mínima de um leito para cada 23 mil habitantes, o que dá 0,04 leitos para cada grupo de mil habitantes. Anteriormente, o percentual era de 0,45 leitos psiquiátricos por mil habitantes.



Segundo a Gerência de Saúde Mental do Piauí, o Estado ocupa uma posição confortável dentro das exigências do Ministério da Saúde. Isso porque, atualmente, conta com cerca de 50 leitos excedentes ao que foi estabelecido como mínimo dentro da portaria.

“Não temos desassistência em termo de internação por leitos. A Organização Mundial da Saúde aponta a necessidade de um leito para cada 23 mil habitantes, assim, o Estado necessitaria de 131 leitos. Hoje, o Hospital Areolino de Abreu tem 160 leitos de psiquiatria disponíveis e também temos 30 leitos na Santa Casa de Misericórdia de Parnaíba, totalizando 190 leitos. Nessa perspectiva, temos mais de 50 leitos sobrando”, explica a gerente de Saúde Mental do Estado, Gisele Martins.

No Brasil, os leitos remanescentes têm que dar vazão a uma enorme demanda. De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, 3% da população sofre de transtornos mentais graves; 6% de problemas mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas e 12% vão necessitar de algum atendimento em saúde mental em al
gum momento da sua vida